MARIA C. BRANCO – PETER STILWELL
As campanhas em favor dos “prisioneiros de consciência”, a defesa da liberdade de consciência e do primado desta perante os abusos das diversas formas de poder são hoje notícia relativamente frequente. Vivemos numa época em que, felizmente, um número cada vez maior de pessoas e de grupos se revela atento aos direitos e à dignidade humana. Ao mesmo tempo, porém, os que exercem alguma autoridade sobre outros não deixam de sublinhar a falibilidade da consciência pessoal. Lembram que ela se deve subordinar à Verdade, ter em atenção o bem comum, empreender um esforço contínuo de formação e de aprofundamento. Aos que interrogam sobre estas questões complexas, pode-se perguntar, como o fez o Cardeal Ratzinger, como lhes parece que deveria ser encarada a consciência dos grandes tiranos da humanidade ou dos que, consciente e deliberadamente, em nome dos valores em que acreditam, administram o horror dos campos de extermínio étnico ou político. Nesta linha, ver neste número, o seu artigo, Necessidade da consciência. Como articular então a consciêncica individudal e o bem comum? Como intervém a consciência pessoal na vida duma sociedade, transformando-a e enriquecendo-a com os seus contributos, fortalecendo-a naquilo a que o Papa chama a sua “subjectividade”? Mas como, também, se defende uma comunidade da perturbação que representam os erros da “consciência mal formada” de algum dos seus membros? E como enfrentar a actuação dos que se dispõem a violar a sua própria consciência e a praticar o que é indigno? A encíclica entretanto publicada por João Paulo II, intitulada Veritatis splendor, chama a atenção para a necessidade de se adequar a dimensão subjectiva da consciência à dimensão objectiva dos actos que informa. A bondade dum acto, recorda o Papa, não depende exclusivamente da recta intenção de quem o pratica, mas também da bondade objectiva daquilo que é realizado. É no debate desta constelação de problemas que este número da COMMUNIO já pretendeu intervir. São três os pólos que nos interessava ver aprofundados e relacionados entre si: a consciência, instância última de aferição pessoal; a ética, como reflexão crítica sobre os princípios e os meios que hão-de ajudar a fazer da Verdade o caminho e a vida da consciência bem formada e, dos actos que esta sanciona, uma “habitação” digna da condição humana; o direito, enquanto estudo das normas e processos que, numa comunidade humana complexa, garantam o jogo leal e criativo das relações sociais e minore os efeitos negativos daqueles actos que atingem a dignidade e os direitos de terceiros ou que ferem o bem comum. O fascículo abre com uma exposição de dados bíblicos — Deus e consciência na tradição bíblica, de José A. Palos — os quais permitem perceber que só na sua relação a Deus a liberdade e responsabilidade do homem são compreensíveis, e tornam claro que a palavra divina é sempre determinante da totalidade do agir humano. Ilídio Leandro, em A consciência pessoal como critério do agir cristão, mostra como a consciência, lugar de encontro com Deus, é o centro das decisões da pessoa e a fonte da moralidade, que possibilita que a pessoa realize, pela fé, o “ser do Senhor”. Dois artigos reflectem sobre as relações entre direito e moral. O primeiro, de José Leitão — no contexto de uma sociedade em que é dado adquirido a distinção dos dois planos, do direito e da moral — chama a atenção quer para a necessidade de se desenvolver uma moral argumentativa capaz de estabelecer diálogo frutífero com o direito, quer para a responsabilidade que aos cristãos deve ser exigida nesse proces-so. Otfried Höffe, explica, através de resenha histórica, como “Direito e Moral” começa por constituir uma unidade, a qual, ao longo dos tempos, se vai progressivamente diferenciando. Assinalando o cinquentenário da publicação de L’Être et le Néant, de J.-P. Sartre, Cassiano Reimão passa em revista “questões estruturais da consciência” neste discutido autor existencialista. Do domínio da pastoral, o artigo de Miguel Ângelo Gomes propõe dois novos modelos operativos que poderão ser experimentados pelos educadores e vão mais além da pedagogia tradicional de apresentação das normas da moral cristã. A fechar esta temática o depoimento de Mário Raposo sobre o Conselho Nacional de Ética, do qual foi o primeiro presidente. No seguimento do anterior número dedicado à Liturgia, incluímos o artigo de Pedro Romano Rocha, Liturgia das Horas, a oração do cristão, em que o Autor nos mostra como a Oração da Igreja está intimamente ligada à vida do cristão.
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