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Tema da Revista
Titulo do Artigo
Autor
Ano XXXI • 2014-03-31 • nº 1 •
O apelo da fé
 
palavra-chave
 
   

artigos
Apologética ou o paradoxo cristão • pág 007
Baslez, Marie-Françoise
Ler o Apocalipse hoje. Um cristianismo de resistência? • pág 021
Carvalho, José Carlos
Apologética inactual, apologética actual • pág 035
Carraud, Vincent
O testemunho verídico • pág 049
Bourgeois, Christophe
O apelo da fé nos lugares de vulnerabilidade • pág 063
Almeida, José Manuel Pereira de
Vozes nas margens da história. As canções dos escravos negros nos Estados Unidos da América • pág 071
Avelar, Mário
"Um Deus desejável". Notas de leitura • pág 083
Ambrosio, Juan Francisco
Testemunho cristão em terra do islão. Ecos das Igrejas da Argélia e da Mauritânia • pág 087
Botzung, Marc
Despertar da fé no jardim de infância. O tesouro de Jesus • pág 093
Costa, José Pedro
A Irmandade de Nossa Senhora dos Remédios • pág 101
Carvalho, Aida
O canto da Natividade. A mística do sul • pág 111
Teixeira, Alfredo


apresentação
ALFREDO TEIXEIRA – JUAN AMBROSIO

Não abdicando de alguma prudência perante o conceito de globalização – sobretudo quando ele se reduz à exaltação dos novos determinismos económicos e se transforma, assim, em nova ideologia de dominação –, importa, no entanto, observar que várias transformações que hoje afetam a ordem do local e do global tornam evidentes dois dinamismos da nossa contemporaneidade: por um lado, multiplicam-se espaços de encontro entre diversas culturas, facto que promove novos reajustes no convívio entre diferentes tradições e novas formas de mestiçagem cultural; por outro, a mundividência global tanto pode favorecer a ampliação dos fenómenos de individualização e destradicionalização, como pode acompanhar diferentes itinerários de endurecimento das identidades, veículo de resistência à pressão do desenraizamento cultural. As culturas contemporâneas vivem desse paradoxo. O tema do desenraizamento cultural é relativamente recorrente. Em particular, quando se observa o facto macroscópico da deslocação de grandes massas populacionais das periferias. O desenraizamento de que se fala promove o desmoronamento das imagens estáveis do mundo, os reservatórios das representações coletivas, afetando a confiança nas instituições e promovendo um certo relativismo religioso centrado no indivíduo. Se observarmos o crescimento das Igrejas cristãs de tipo neopentecostal, percebemos que os seus métodos de evangelização se concentram em processos facilitadores da conversão individual. A sua pregação dirige-se aos indivíduos que vivem as diversas fraturas das múltiplas modernidades. Não encontramos nessas Igreja o rasto de uma apologia da evangelização da cultura. A sua palavra não se dirige às culturas, antes aos indivíduos na sua situação de desenraizamento. Mas vale a pena perguntar se este anúncio desculturalizado poderá ser o que evangelicamente se exige, uma semente capaz de transformar por dentro os modos de habitar o mundo (uma maneira de falar metaforicamente de cultura). Num terreno de complexidades que favorecem o paradigma da diversidade, a apologia de uma visão do mundo ancorada numa determinada tradição religiosa é recebida, com frequência, como uma violência desnecessária – ofende a religiodiversidade. Por isso, o marketing substitui, com frequência, a apologia crente. A pressão desta atualidade pode exigir uma renovada reflexão sobre as condições de uma apologia da fé cristã. Não por via da engrenagem racionalista da apologética moderna, mas na releitura de um estilo teológico que proponha a fé cristã como desejável. Visitando o cristianismo dos três primeiros séculos, Marie-Françoise Baslez descobre como a apologia foi singularmente marcada por um contexto de condenações e perseguições. Nessa leitura, a apologia é, sobretudo, um gesto que visa apontar para lá das simetrias violentas que a perseguição institui. Quando os intelectuais cristãos desenvolveram esse género apologético, pretendiam enunciar a diferença cristã perante outros “martírios”. Nessa diferença, a historiadora vê um paradoxo. O discurso não se constrói pela via de uma defesa que projeta no perseguidor a violência recebida. O cristão é, antes, apresentado como homo politicus, integrado no espaço de cidadania. Mas esse discurso integra também uma leitura da diferença cristã enquanto religião do “crer”, na qual a liberdade de consciência é condição de cidadania. Como mostra José Carlos Carvalho, também no Livro do Apocalipse, ao teatralizar liturgicamente um cristianismo de resistência, se descobre o apelo da fé – neste caso, na leitura da experiência da crise. Falar de resistência não é sinónimo imediato de confronto ou de recusa. Constrói-se, antes, um auto em que o leitor-ouvinte, reunido em assembleia, é chamado a decifrar o sentido da história do seu tempo. Quando lemos o ensaio que Mário Avelar nos oferece, sobre as canções de escravos na América do Norte, descobrimos, precisamente, como a memória bíblica e cristã se pode recompor como resistência em contextos históricos diversos. Que Deus pudesse estar ao lado destes escravos, era politicamente significativo. Vincent Carraud enfrenta o problema da (in)atualidade da apologética verificando que esse discurso moderno não é uma parte da teologia, é um período da teologia, que teria durado pouco mais do que um século e meio, tendo atingido o seu auge entre o Vaticano I e a I Guerra Mundial. Em tal discurso teológico a novidade da fé sucumbe perante a astúcia racional. Para o autor só o regresso à Patrística pode trazer algo de novo às linguagens da apologia. Essa via de refontalização é necessária também para se pensar teologicamente o problema do testemunho verídico. Tendo como pano de fundo o Evangelho de João, Christophe Bourgeois mostra como o laço indissolúvel que une Jesus ao Pai surge como última verdade, que nem a morte pode quebrar. Nesse sentido todo o testemunho tem de ser prolongamento de uma vida que se aproxima da condição filial que caracteriza todo o cristão. A esse estilo filial corresponde uma ética cristã da fraternidade, condição em que o “outro” é lugar de compreensão da liberdade e da responsabilidade. Este modo de viver fazendo viver é, como afirma José Manuel Pereira de Almeida, o estilo a que todos os discípulos de Jesus são chamados. Esta alteridade encontra-se hoje, também, na história de outros povos marcados pela memória de outras tradições religiosas. Partindo da experiência atual das comunidades católicas, presentes na Argélia e na Mauritânia, Marc Botzung partilha com os leitores da COMMUNIO a sua reflexão acerca do que significa ser cristão numa sociedade quase totalmente muçulmana. Ainda na secção Depoimentos, Juan Francisco Ambrosio propõe-nos uma leitura: Dieu désirable, de André Fossion. Para o autor, o anúncio do Evangelho deve ser feito não a partir da ordem do necessário e do evidente, mas a partir daquilo que pode ser experimentado como razoável, salutar e desejável. O grande desafio pastoral reside exatamente em tornar precioso e desejável o que não é radicalmente necessário. Parece ser esse um dos pressupostos do projeto “despertar da fé”, desenvolvido, no Jardim de Infância do Colégio do Sagrado Coração de Maria, em Lisboa. José Pedro Costa partilha connosco esta sua aventura entre os mais “pequenos”, lugar privilegiado de descoberta dos primeiros rastos do desejo da fé. A secção Perspetivas oferece duas aproximações à cultura portuguesa. Aida Carvalho apresenta-nos alguns dos resultados da sua investigação sobre a sociabilidade confraternal. Alfredo Teixeira percorre o arquivo do canto tradicional dos mistérios da natividade, descobrindo aí o rasto de uma mística cristã (ao sul).

 
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