MARIA ODETE VALENTE RUI MADEIRA ALFREDO TEIXEIRA
Iniciamos mais um ano editorial enfrentando um dos terrenos que mais amplas transformações conheceu nas últimas décadas: a família. Para o título deste dossier temático procurámos uma formulação que traduzisse essa complexidade sócio-antropológica: “família e famílias”. Pensamos que esta formulação pode abarcar tanto os dinamismos actuais de revalorização da família enquanto contexto fulcral de construção de uma determinada ideia de sociedade, quanto a observação sociológica da incontornável diversidade dos modelos familiares. O ano que passou, dez anos após o Ano Internacional da Família, foi ocasião para uma revitalização da reflexão sobre esta problemática: no plano dos debates interdisciplinares; no plano político, instância onde se descobre cada vez mais a necessidade de uma capacidade de intervenção estratégica (Margarida Neto); no terreno associativo, onde grupos como as Escolas de Pais procuram a valorização do papel educativo dos pais (M. Conceição Seabra Gomes).
No caso português, tornava-se necessário conhecer os resultados recentes do censo de 2001, comparando-os com os dados anteriores, para aí descobrir as persistências e as mudanças (Maria Engrácia Leandro). É certo que a família, desde o início dos anos 90 do século passado, retomou uma certa primazia social perante os sinais de fracasso dos mecanismos de integração social promovidos pelas estratégias de modernização social. Mas também é certo que as sociedades democráticas, num contexto em que se alarga a experiência da fragilidade das uniões conjugais, são actualmente habitadas por tensões e debates, frequentemente incomensuráveis, quanto aos padrões de institucionalização da conjugalidade – a polémica mais sonora diz respeito às uniões homossexuais (Tony Anatrella).
Sabemos que, em terminadas situações culturais, uma certa idealização da família se sustentou ideologicamente em leituras da memória cristã que nem sempre se mostraram atentas à relativização dos laços de sangue que decorre do anúncio evangélico do “Reino de Deus” (Joaquim Carreira das Neves). Daí que a reflexão teológica privilegie uma leitura da família a partir da sacramentalidade da criação e da eclesialidade da experiência familiar, opção que permite integrar nessa reflexão a tensão escatológica própria da mensagem cristã (Mateus Peres).
Tento em conta a importância histórica da instituição paroquial na determinação dos territórios da identidade na Europa, procurámos encontrar um quadro de compreensão para as transacções que se estabelecem neste contexto (Alfredo Teixeira). As ritualidades públicas que assinalam acontecimentos familiares e ritmam as idades da vida, numa escala de longo curso, são o bem mais solicitado pelas famílias à instituição paroquial. A preparação ritual-sacramental tende a desviar a acção religiosa do espaço-tempo social para o espaço-tempo individual. As Igrejas estão, assim, perante um desafio epocal muito importante: optar por um modelo de pertença estritamente iniciático, assente na identificação individual, diminuindo a sua capacidade de gestão societal do religioso; ou encontrar modelos de eclesialidade de acolhimento que possam gerir uma diversidade de modos de pertença, permitindo uma maior capacidade de inscrição na cultura. Tendo em conta que as sociedades contemporâneas estão marcadas por efeitos cruzados de pluralização, a questão do impacto familiar dos processos de identificação religiosa tem outros contornos importantes, que aqui não foram esquecidos: o problema da gestão da diversidade religiosa dentro da família – particularmente em terreno cristão –, em ordem à celebração comum da fé (Borges de Pinho); o impacto da conversão, no contexto de algumas subculturas religiosas em Portugal, nas trajectórias familiares (Teresa Líbano Monteiro).
A nossa secção “perspectivas” resume-se, neste fascículo, a dois tópicos de grande actualidade social e eclesial. Acácio Catarino faz uma releitura do recente Código de Trabalho e Tony Neves apresenta-nos uma visão retrospectiva das duas sessões anteriores do Congresso Internacional para a Nova Evangelização (Viena e Paris), percurso que nos permite colocar em perspectiva a próxima sessão do ICNE a realizar em Lisboa. |