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Ano V • 1988-05-15 • nº 3 • Maio/Junho |
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apresentação |
ANTÓNIO DE BIVAR WEINHOLTZ – MARIA C. BRANCO
Sai este número quando o Papa João Paulo II elevou ao cardinalato o teólogo Hans Urs von Balthasar, a quem a Revista Internacional Católica – COMMUNIO deve muito da sua inspiração primeira e da sua vitalidade ao longo dos dezassete anos da sua existência. Também os responsáveis da edição portuguesa se associam a esta homenagem a um dos maiores pensadores deste século, cuja contribuição para a renovação da teologia e cultura cristã é das mais notáveis.
Para os cristãos é o mistério do Deus revelado que constitui o fundamento da ideia de Criação. Com efeito, Criação não significa uma teoria sobre a formação do mundo, tal como a desenvolve uma concepção científica mas é, antes, uma realidade teológica. Trata-se da afirmação da forma como nós e o mundo existimos em relação com o Deus único e absoluto.
A Escritura é a fonte primeira de que nasce toda a teologia. É nela que encontramos os fundamentos da doutrina posteriormente desenvolvida. Armindo Vaz abre este fascículo da COMMUNIO com uma análise hermenêutica dos primeiros capítulos do Génesis de molde a torná-los compreensíveis ao homem moderno.
Qual a razão por que Deus criou o mundo, é a pergunta do cardeal H. U. von Balthasar. O mistério da Criação só encontra resposta definitiva na Incarnação e na Cruz – Deus tomou o mundo a Seu cargo através do Filho e, pelo Espírito, a Criação é introduzida na comunhão de Amor trinitária. Realidade fundamental, decisiva para a concepção cristã de Deus, do mundo e do homem é o que a Tradição designa por Graça. Exigindo do homem uma transformação permanente, ela estabelece a Nova Aliança de comunhão com o Deus Criador, cujo culminar será a criação da Nova Terra e dos Novos Céus. Acerca da questão do relacionamento entre natureza e graça nos fala o artigo de M. Manuela de Carvalho. Numa época de crise ecológica como a nossa, qual o significado que a doutrina da Criação pode ter? Uma leitura ecológica dos Evangelhos é a intenção de Arnaldo Pinto Cardoso. A relação, no Espírito, entre Criador e criação conduz-nos à contemplação da natureza enquanto "ecossistema espiritual" (Moltmann).
Depois da revelação nos proporcionar a ideia de criação devemos, porém, esclarecê-la à luz da reflexão humana. A progressiva autonomização das ciências naturais e exactas, relativamente à filosofia e à teologia, condicionou uma alteração nos próprios problemas que a ciência se propõe resolver. À procura das causas últimas dos fenómenos substituiu-se a descrição dos "mecanismos" através de modelos que pretendem sistematizar os dados da experiência, permitindo prever com sucesso o comportamento das entidades consideradas. O problema das origens tornou-se, assim, um elemento incómodo no quadro da ciência moderna na medida em que se trata de fenómenos por sua natureza irrepetíveis. A vulgarização científica debate-se habitualmente com o dilema de pretender responder às perguntas naturalmente colocadas pelo público, e para as quais a ciência nem sempre pode ter resposta. Daí as frequentes mistificações resultantes de se colocar no mesmo plano as conclusões solidamente científicas e as especulações filosóficas ou mesmo de cariz teológico dos cientistas, geralmente baseadas em opções pessoais de natureza a-científica. Este estado da questão torna difícil e semeado de armadilhas o diálogo entre as visões que a Fé, a Filosofia, a Ciência e outros domínios da cultura têm acerca da Criação; não o torna, no entanto, menos necessário para quem aspire a uma certa coerência intelectual na concepção que tem do mundo.
Nesse sentido vão os restantes artigos deste número. O. Boulnois: ao espanto do cientista perante as descobertas da ciência deve seguir-se a admiração do cristão que contempla a obra do Deus Criador e reconhece a existência de um Outro. O artigo de Andreas Knapp reflecte sobre a sociobiologia e a visão cristã do mundo para concluir que, embora aquela pretenda ser uma nova forma de pensar o homem, está longe de se poder substituir ao conceito de Deus Criador. M. Ponces de Carvalho, partindo da validade das descobertas científicas sobre a origem e evolução da vida, defende que é necessário valorizá-las numa perspectiva cristã do homem.
Mas o homem é também, de uma forma muito especial, criador e senhor do seu próprio mundo no domínio da arte e de toda a cultura. Nos depoimentos finais, J. N. da Câmara Pereira dá-nos conta da alegria que provoca a descoberta do homem enquanto co-criador; Luís Cunha fala-nos, além disso, da evolução da arte moderna e da sua desumanização ao eliminar a Deus do seu horizonte. João Maia faz um balanço crítico dos existencialismos entre o ateísmo e a fé cristã. |
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