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Ano V • 1988-01-15 • nº 1 • Janeiro/Fevereiro |
A comunidade cristã no mundo |
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apresentação |
PETER STILWELL – TERESA MARTINHO PEREIRA
Na sua relação quase sempre tensa com um mundo que se lhe apresenta opaco e por vezes mesmo adverso, a comunidade cristã tem oscilado entre a tentação da cruzada e o gosto da acomodação. Uns apontam como razão das dificuldades a maldade intrínseca do mundo, outros descobrem-na numa conspiração de forças apostadas em travar o passo ao Evangelho, outros ainda interpretam os fracassos e conflitos em sentido inverso, como prova de como a comunidade cristã e os seus principais responsáveis se encontram sempre desactualizados em relação aos valores da razão e do progresso.
Hoje, porém, após séculos de cristandade, e num país maioritariamente católico, um mínimo de sentido crítico nos devia indicar que, sem descontar a parcela de verdade existente nessas leituras, a questão bem mais profunda e significativa é outra. É que o "mundo" que se opõe a Deus e à exigência do Seu Evangelho reside também em nós baptizados. Difunde-se pelas múltiplas expressões de uma cultura que ingenuamente respiramos e reproduzimos, mesmo quando nos consideramos "praticantes", e na qual Deus não tem lugar; como se vê pelo estado pobre e degradado de tantos que são sua "imagem e semelhança".
Precisamente, no primeiro artigo deste número, Hervé Carrier, Secretário-Geral do Conselho Pontifício para a Cultura, recorda-nos que há todo um esforço de inculturação do Evangelho a desenvolver, em relação à Modernidade – alguns já falam hoje em "pós-modernidade", mas em termos dos princípios expostos a questão é a mesma. Sem negar a importância de uma evangelização por "capilaridade", fruto dum esforço de santificação pessoal, o autor insiste na importância, nas sociedades modernas, de confrontar com o Evangelho o meio sócio-cultural que inspira, enriquece ou fere espiritualmente os que nele se encontram mergulhados.
Mas a questão não se situa só no modo como se assume a relação com o mundo. O carácter multiforme da vocação cristã, e o modo como os diversos membros se articulam entre si, na Igreja, dando corpo a uma verdadeira comunhão, não são meros problemas de organização inerna, mas traduzem de modo visível a mensagem de que a Igreja é portadora. Este desafio duma eclesiologia de comunhão é objecto de dois artigos. D. José Policarpo dá-nos, em primeira mão, um relato circunstanciado do último Sínodo dos Bispos (1987), esquematizando comclareza as grandes questões teológicas subjacentes à problemática pastoral debatida. Isidro Alves, por seu lado, parte duma análise do Novo Testamento, mas as suas conclusões corroboram claramente a sensibilidade manifestada pelos padres sinodais. E no cerne da vida e missão da comunidade cristã no mundo está "A misericórdia de Deus, raiz da comunhão e da esperança", como nos lembra A. Pinto Cardoso.
Correríamos, porém, o risco de "enforcar a Deus nas cordas dos nossos silogismos", se não cuidássemos da experiência vital desse amor de Deus que dá autoridade ao nosso testemunho. "Voltar aos mestres espirituais" é uma urgência, como nos recorda Frei Agostinho Leal no apelo que aqui reproduzimos, dirigido, em Abril de 1987, aos universitários de Lisboa reunidos na sua II Peregrinação a Fátima. Se a prova duma espiritualidade cristã autêntica são os seus frutos de caridade, a expressão destes passa hoje por uma solidariedade efectiva na luta pela justiça e no respeito pela vida humana em todas as suas dimensões. Nesse sentido, transcrevemos a conferência de Walter Kasper, proferida em Coimbra nas I Jornadas de Universitários Católicos, na qual ele nos recorda que se nos nossos tempos Deus se tornou obscuro, isso se deve em parte aos cristãos que "não souberam tornar a solidariedade de Deus credível através do testemunho da sua própria solidariedade".
Contudo, nas instâncias de decisão, nos corredores do poder político, económico e social, dum regime democrático e necessariamente plural, como pode a Igreja fazer sentir a sua influência no sentido dessa solidariedade? Será ela mais um grupo de pressão, ao lado de tantos outros? Como intervir na área do poder sem vir a ser manipulada em favor de interesses que lhe são estranhos, mas também sem violar a liberdade e a consciência de outros? Destas dificuldades nos dá conta José Pureza no seu artigo.
A concluir, um testemunho das Irmãs Beneditinas do mosteiro de Santa Maria, Sassoeiros. Nele nos contam como, na perspectiva cristã, paradoxalmente até o "afastamento do mundo", representado pela vida monástica, deve ser assumido como expressão de solidariedade com esse mesmo mundo.
Ao iniciarmos o quinto ano de publicação da COMMUNIO, desejamos ainda dar a conhecer a todos os que nos têm acompanhado no nosso percurso os "Estatutos" da Associação responsável pela Revista. É nosso desejo obter o apoio de quantos a queiram ver mais dinâmica e criativa. |
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