H. NORONHA GALVÃO
"Não temos o direito de negligenciar a pobreza, e mesmo a miséria que subsiste nos nossos países relativamente ricos. Tudo deve ser posto em prática que possa restituir a esperança aos milhões de europeus a quem presentemente a justiça social é recusada." Assim terminava o número de "O dossier da Europa" dedicado à luta contra a pobreza. (1) Pertencendo actualmente à Comunidade Europeia, Portugal não faz parte certamente do grupo de países em que este problema se põe com menos acuidade.
Mas se esta questão não pode deixar de preocupar os cidadãos e os políticos atentos à justiça social, ela ganha nova profundidade e urgência quando vista e a ssumida à luz da fé cristã. Antonio Sicari coloca-nos, de imediato, o sentido da pobreza e sua bem-aventurança evangélica em toda a sua radicalidade e globalidade. Acerca da perspectiva bíblica, duas aproximações nos são ainda oferecidas neste número da COMMUNIO: uma de um conhecido teólogo de amadurecida erudição e profunda espiritualidade, Hans Urs von Balthasar, outra de um exegeta atento à últimas aquisições das ciências bíblicas, Manuel Isidro Alves. Coincidindo no essencial, divergem, no entanto, ao definir a continuidade na descontinuidade entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento. No nosso meio, a que falta o estímulo de um debate teológico animado pela procura rigorosa da verdade, é salutar este confronto de posições. Elas confirmam-se, porém, mutuamente na afirmação da irredutível originalidade de Jesus Cristo, ao manifestar o seu próprio Mistério como mistério de um Amor que, dando-se totalmente, faz da pobreza uma bem-aventurança.
Sobre o modo de agir nesta situação, ao nível pastoral e social, versam os artigos de D. António Marcelino e de Acácio Catarino. A dupla consideração da pobreza, como mal social e ideal de vida, longe de se excluirem, são unidas na perspectiva de Manuel António Ribeiro, pois, como nos diz, só pela segunda se consegue debelar a primeira. Regressando à Bíblia, somos conduzidos por Luís Santabárbara ao tema do Reino de Deus, que há-de impulsionar e orientar os cristãos no seu compromisso político a favor dos pobres.
Do importante estudo de Carlos Silva, "Visão cristã do Homem num ambiente cultural secularizante", apresentamos a segunda parte. Apesar de se situar fora do tema central deste número, dele se infere o que poderíamos chamar a vocação de pobreza da fé cristã a respeito das culturas, dado que as transcende a todas; pobreza, no entanto, que está na origem da sua grande riqueza pois lhe possibilita inacarnar em todas as culturas, as quais purifica e transfigura através do caminho de Cruz e Ressurreição.
Dois testemunhos, um acerca do Padre Américo e outro de uma "criadita dos Pobres", faz-nos contactar, concretamente, a própria vida e experiência cristãs. Finalmente, duas recensões chamam-nos a atenção para duas obras recentes publicadas entre nós, que permitirão aos leitores mais interessados aprofundar e completar o estudo do tema apresentado.
(1) "L'Europe contre la pauvreté = Le dossier de l'Europe 11/82, juin/juillet 1982, p.8. |